Uma investigação que apura supostos desvios de dinheiro com a distribuição de cestas básicas durante a pandemia de Covid-19 no Tocantins revelou que os empresários investigados receberam auxílio emergencial do governo federal pouco antes de faturarem milhões com contratos do governo estadual. Um dos casos mais emblemáticos envolve o sócio administrador de uma empresa que teria recebido quatro parcelas de R$ 600 do benefício antes de fechar 18 contratos com o governo, totalizando mais de R$ 12 milhões.
Nesta quarta-feira, 21 de agosto, a Polícia Federal (PF) cumpriu 42 mandatos de busca e apreensão durante a Operação Fames-19. Entre os alvos serviram o governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), dois de seus filhos e a primeira-dama do estado. (Veja o posicionamento deles abaixo)
Os detalhes do suposto esquema investigado pela PF estão na decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que autorizou as buscas, assinada pelo ministro Mauro Campbell. O documento foi retirado do sigilo, e o g1 e a TV Anhanguera tiveram acesso exclusivo.
Empresas com Mudança de Atuação Suspeita
Dentro do núcleo empresarial investigado, a PF encontrou empresas que mudaram sua razão social e área de atuação antes de serem contratadas pelo governo para fornecer cestas básicas. Um exemplo é a MC Comércio de Alimentos EIRELI ME, que, antes de figurar como empresa de destaque no ramo de alimentos, se dedicou à construção civil até poucos meses antes da decretação do Estado de Emergência Sanitária pela pandemia de Covid-19.
A mudança de atuação ocorreu em 29 de maio de 2020. Três dias depois, a empresa apresentou uma proposta para o conjunto de milhares de cestas básicas, e menos de um mês depois, em 29 de junho, venceu seu primeiro contrato. Ao todo, a empresa foi contratada 18 vezes, fornecendo cestas e frangos congelados, totalizando R$ 12.271.100,00.
Benefícios Recebidos e Questionários
Segundo a decisão do STJ, o sócio administrador da empresa, Macione Costa de Oliveira, esteve cadastrado para receber o auxílio emergencial de R$ 600 nos meses de maio, julho, agosto e setembro de 2020. Por telefone, Macione Costa afirmou ao g1 que não sacou as parcelas do auxílio, que todas foram estornadas, e que não recebeu nenhum centavo dos R$ 12 milhões em contratos, pois havia “emprestado” a empresa para outro empresário. Ele negou ser laranja e afirmou que prestará todos os esclarecimentos à Justiça.
Para a PF, os elementos como a mudança repentina na área de atuação, a contratação imediata e a obtenção do auxílio apontam para uma “forte reclamação de direcionamento do processo licitatório” e para a incapacidade da empresa de executar os contratos.
Envolvimento de Pessoas Próximas ao Governador
Conforme a decisão, quem representou a MC Comércio de Alimentos em 12 contratos não foi seu sócio administrador, mas o filho de um assessor especial do gabinete do governador, sobrinho de outro empresário que também forneceu cestas básicas. A PF encontrou fotos nas redes sociais que evidenciam o intenso convívio social desse assessor com Wanderlei Barbosa e seus filhos.
Nesta quarta-feira (21), além dos mandatos de busca e apreensão, foram tomadas outras medidas cautelares patrimoniais. O principal alvo da operação é o próprio Wanderlei Barbosa, que foi vice-governador na época em que as cestas foram distribuídas, entre 2020 e 2021.
Durante as buscas na casa e no gabinete do governador, os policiais federais encontraram R$ 67,7 mil em espécie, além de dólares e euros. Na casa de Wanderlei havia R$ 35,5 mil, 80 euros e US$ 1,1 mil. Já no gabinete foram encontrados R$ 32,2 mil e centenas de boletos de contas pagas em loterias, tanto do governador quanto de terceiros.
Posicionamentos dos Investigados
- Macione Costa de Oliveira : Afirmou que as parcelas do auxílio emergencial não foram sacadas, e que emprestou a empresa para outro empresário durante sua campanha em Ananás.
- Wanderlei Barbosa : Informou que recebeu com surpresa a operação, mas está tranquilo, pois na época dos fatos era vice-governador e não tinha relação com as despesas do programa de cestas básicas.
- Léo Barbosa : Declarou que prestou todos os esclarecimentos necessários e que não imaginava que um consórcio informal de R$ 5 mil poderia gerar tamanho transtorno.
- Karynne Sotero : A primeira-dama afirmou que recebeu a operação com espanto e perplexidade, pois não faz parte do processo investigatório e sequer é mencionado.
- Rérison Castro : Disse que na época era presidente da Agência Estadual de Metrologia e que nunca teve qualquer relação com aquisição, licitação ou distribuição de cestas básicas.
- Joseph Madeira : Seu advogado alegou abuso de poder pela prisão do empresário, afirmando que a autoridade policial agiu de forma incompetente